Força de vontade

"Existe poucas coisas numa criança que podem dizer-nos como será sua vida depois".
                                                                                            Walter Mischel

 Entre os 3 e os 6 anos se produzem mudanças radicais na vida de uma criança. A essa idade começa a ter sentido para elas o futuro e aprende a controlar em certa medida os impulsos.

Contudo não todas as crianças tem a mesma destreza no autocontrole
Faz 40 anos, o psicólogo Walter Mischel se propôs a medir cientificamente a força de vontade em um grupo de crianças e observar como esta habilidade podia influir na evolução até a idade adulta.
Eduard Punset visitou a Walter Mischel no seu despacho da Universidade de Columbia, donde falaram sobre a importância desses primeiros anos na felicidade futura.


Eduard Punset:
Walter, nós chegamos desde Barcelona porque ouvimos , nos disseram que um cientifico da Universidade de Columbia podia predizer o futuro utilizando uma bolsa de caramelos, isso é verdade?

Walter Mischel:
Vamos ver, digamos que pode que seja um pouco exagerado porém sim que tem algo de verdade nisso. Sim, tem uma parte que é verdade.

Eduard Punset:
E começaste este experimento com crianças e caramelos nos anos sessenta, a finais dos sessenta. E seguiu adiante. Isso não é nada habitual, é o que resulta fascinante deste experimento, que você seguiu durante mais e quarenta anos. E ao principio de tudo, que foi o que você fez com essas crianças?

Walter Mischel:
O primeiro que fiz foi falar com meus próprios filhos, que naquela época tinham essa mesma idade, quatro , cinco e seis anos, três tinha a mais pequeninha... E o que realmente me interessava era ver o que sucedia com meus filhos ao ser adultos e ao passar de três anos e meio a cinco, mudanças que a mim me pareciam radicais. Acontece algo muito estranho, e a parte que a mim me pareceu mais interessante foi que começava a ser capazes de contemplar o futuro.

Eduard Punset:
Sim.

Walter Mischel:
De pensar em “depois” no lugar de pensar em “agora mesmo”. De modo que inclusive podiam entender um conceito como : “ Te darei uma bolacha depois de comer”.

Eduard Punset:
É verdade.

Walter Mischel:
Podiam entender isso e de fato esperar que lhes déssemos uma bolacha depois de comer. De fato , o que a mim me interessava era saber como podia ser isso, que se produz no pensamento , comportamento e, em ultima instancia , cérebro, que faz que uma criança deixe de ser imediato e impulsivo , para quem o “amanha” e “depois” no existem, somente e unicamente o “ agora”, “ tenho fome”, “ tenho sede”, “mamãe”, “papai”, para quem não existe o futuro. Como aparece esta dimensão adicionada...? E comecei a tomar em serio esta questão e decidi estudar-lo.

Eduard Punset:
Como começaste realmente, a situação que criaste?

Walter Mischel:
Bom, queria criar uma situação que fosse o mais simples possível para que pudesse entender uma criança de quatro anos: uma campainha antiga como as dos antigos hotéis no que tocas a campainha e alguém vem a buscar tua equipagem. Esse tipo de campainha. O primeiro que fizemos então com essas crianças de pré-escolar na Universidade de Stanford, donde eu dava classes , foi ver se com somente quatro anos podia entender que... “simplesmente toca a campainha, eu sairei do quarto, porém quando voltes a tocar a campainha, voltarei a entrar”. Depois a criança tem a possibilidade de brincar com um montão de coisas, de observar-las. Existe brinquedos, caramelos, bolachas, e outros doces... E eles pegam o que mais gostam. E podem eleger. Por exemplo: “ Podes ficar com as bolachas que escolheu se esperas que eu volte . Porém , se queres , podes tocar a campainha ,então eu entro e te darei essa outra bolacha”.

Eduard Punset:
E não as outras.

Walter Mischel:
E não as outras que ele tinha escolhido. Assim que a criança entende que pode ficar com as duas bolachas, os caramelos e todos os doces se espera que o senhor ou a senhora volte. Porém sempre que queira só tem que tocar a campainha, então os senhores(a) voltaram e lhe darão uma bolacha em seguida. Isso entendem com quatro anos, não entendem com três anos e meio. Entendem com quatro , quatro anos e meio. É fácil.

Eduard Punset:
Fantástico.

Walter Mischel:
Assim foi como comecei a encontrar um método que me permitisse estudar tudo isso. Recorda que estamos falando de princípios dos sessenta, quando nem sequer podíamos gravar. O único que fazíamos era observar como se comportavam e com um simples relógio...

Eduard Punset:
Um cronômetro.

Walter Mischel:
Um cronômetro, contávamos o numero de segundos. Enquanto, não tinha ninguém no quarto, a criança estava só e nós observávamos desde fora por um cristal a través do qual não podiam ver-nos. Era de uma simplicidade pasmosa. Ademais, no experimento , tem que estar sentados numa cadeirinha , quero dizer, não podem levantar-se, não podem mover-se da cadeira.Se querem fazer , tocam a campainha ,de modo que só ficam com uma guloseima em lugar de conseguir duas( ou todas).

Eduard Punset:
E agora não só podes gravar-los sem que se dêem conta, também podes olhar...

Walter Mischel:
Sim, agora podemos fazer muitas outras coisas quando estudamos esses fenômenos em crianças e também em adultos. Podemos observar todo tipo de coisas, inclusive filmar o movimento ocular para ver exatamente que fazem com os olhos quando se encontram em uma situação na qual é difícil , ou ao revés muito fácil esperar. Para uma criança pequena, esperar vinte minutos até que lhe dêem duas bolachas não é nada fácil.

Eduard Punset:
É um esforço titânico

Walter Mischel:
Ao ver como se comportam, podemos ver que estão atormentados e sabem que é uma angustia que eles mesmos podem parar em qualquer momento, simplesmente tocando a campainha. De fato os que se atormentam não podem esperar. Contudo, os que descobrem maneiras de converter essa angustia em algo levadeiro , são os que sim podem esperar.

Eduard Punset:
Que fazem? Que foi o que você descobriu? Quais são os mecanismos pelos quais uma criança impulsiva pode esquecer seus impulsos?

Walter Mischel:
Bom, os que são capazes de fazer isso com quatro anos por exemplo, fazem coisas como brincar com os dedos dos pés, cantar musiquinhas, dão a volta para não ver...

Eduard Punset:
Para não ver.

Walter Mischel:
Olham pro outro lado. Falam consigo mesmas... ou se são adultos, quando fazemos com crianças de seis anos ou maiores, também podem mudar sua forma de pensar sobre o objeto em questão.

Eduard Punset:
Ahh... Que queres dizer com isso?

Walter Mischel:
Pensando nos objetos de outra forma. O fato , o que aprendemos é que a melhor maneira de passar do objeto de desejo a algo que se pode esperar é não pensar nas suas propriedades puras de duras. Que quero dizer com propriedades puras e duras? Podes pensar em uma bolacha ou em uma guloseima em términos do esponjosa , doce e terna que pode ser porém se você faz, se acabou, tocarás a campainha;se tens quatro anos , está acabado. Contudo, se pensas na guloseima como um pedaço de cartão ou como uma nuvem , perde seu interesse e então esperas porque...

Eduard Punset:
Gosta da guloseima


Walter Mischel:
Sim, porém é muito mais fácil esperar por uma guloseima e distrair-se que estar pensando no delicioso, saboroso, crocante, doce...

Eduard Punset:
É genial

Walter Mischel:
Assim que todos os objetos , todos os acontecimentos se podem conceber como possuidores de grandes qualidades emocionais que te fazem racionar. É difícil porque está conectado com diferentes parte do cérebro, agora já sabemos. Contudo , se pensamos em términos de suas qualidades informativas: “ isso pode sentar mal”, “ isso engorda”, “isso pode provocar-me um infarto” , então tem um significado diferente.

Eduard Punset:
É fantástico. Porque o que realmente é fascinante, o que tu comprovaste és que em função de como racionem , do que suceda no cérebro, quando tem esses impulsos entre os três e os seis anos, dependendo , terão um comportamento ou outro quando sejam adultos... ou poderiam ter-lo...

Walter Mischel:
Bom, você simplificou um pouquinho. O caso é que seguramente existe um vinculo, um vinculo claro , sólido , evolutivo e duradouro, entre o que fazem nessa situação e seu comportamento no futuro. Porém para mim o desafio foi;como se pode encontrar um método cientifico que permita estudar a força de vontade? Que é o que move a pessoa interiormente e que sucede na cabeça de uma pessoa para que seja capaz de resistir-se a uma tentação, de resistir-se a fumar um cigarro , a comer um bolacha ou um pedaço de torta.?

Eduard Punset:
Existe algo mais que se solta dos teus estudos também, e por favor corrige-me se me equivoco, suspeito que o você diz é que quando te concentras em controlar um impulso interno, por exemplo, não comer a torta ou o que seja, gastas muita energia. E creio que em algum lugar se menciona que quando alguém deixa de fumar , deixa de consumir nicotina, se concentra muito nisso, pode que deixe a nicotina, porém não terá a glicose necessária, os recursos necessários para fazer regime, por exemplo, e engordará. Certo?

Walter Mischel:
Creio que não cabe duvida de que um uso ,digamos excessivo , da força de vontade é esgotador e também pode suprimir parte da alegria de viver. Por isso não sugiro em absoluto que as crianças , os adultos o qualquer utilize a força de vontade constantemente porque terão uma vida muito cinza. Temos um conjunto de habilidades,e neste caso não só psicomotrizes também mentais, habilidades distrativas que podes utilizar em teu próprio proveito na vida. O que significa é que sabes quando esperar e quando atuar para obter um resultado concreto que te ajude a viver, a construir uma vida que realmente te faça feliz e responde a tuas necessidades, mais que se tu não tens essa habilidade. O que quero dizer é que é uma destreza que pode que possamos ensinar e uma das coisas que pode estamos fazendo agora com crianças pequenas na escola é ver se podemos ensinar-la: Pode que seja uma caixa de ferramenta mental, que os seres humanos podem utilizar quando querem e necessitam. Creio que a franja de idade na qual és possível tentar marcar a diferença é entre os quatro e os oito anos, sobretudo entre quatro e seis.

Eduard Punset:
Entre quatro e seis.

Walter Mischel:
Temos levado a cabo experimentos que mostram muito claramente que si induzes antes do tempo, antes de sair do quarto, si digo: “ Eduard, si você quiser, se quiser, quando queiras , podes pensar que os caramelos são nuvens, ou de um troço de cartão”; ou inclusive, enquanto esperas as guloseimas, podes fazer ele pensar que não existem. Simplesmente, na tua cabeça, podes colocar-lhes uma separação, fazer ele crer que não são mais que um imagem.

Eduard Punset:
Será mais fácil

Walter Mischel:
Sim. E os experimentos tem colocado de manifesto que se pode mudar uma criança muito impulsiva que normalmente tocaria a campainha em vinte segundos e que , e de outro modo, agora pode esperar até quinze minutos se lhe induzes a mentalizar-se e pensar que se trata só de uma imagem.

Eduard Punset:
Realmente com a aprendizagem social e emocional, por chamar-lo de alguma maneira,se pode mudar o comportamento das pessoas.

Walter Mischel:
Efetivamente. Também se pode formular outros términos. Por exemplo, se eu digo, antes de sair do quarto a uma criança de quatro anos: “Eduard, se queres, quando queiras, enquanto esperas as guloseimas, podes pensar no deliciosas e esponjosas que são” então... Zas, campainha à vista!

Eduard Punset:
Então, simplificando, é muito mais difícil ser feliz para alguém que tem sido incapaz de controlar seus impulsos, sempre estará buscando...

Walter Mischel:
Bom, creio que é verdade para alguém que não pode controlar seus impulsos jamais, porém creio que também é verdade para alguém que nunca tem prazeres imediatos, pois a sua vida também será chata.

Eduard Punset:
Isso que você me fala agora me faz pensar nos antigos refrãos dos meus avós donde o único importante era saber se existia uma vida depois da morte, tudo girava em torno à brevidade da vida, das dificuldades e penúrias... E tu diz: cuidado , é muito importante saber se existe uma vida antes da morte, porque também existe uma vida antes da morte se sabemos viver-la, se sabemos desfrutar-la. Certo?

Walter Mischel:
Muito mais. Dito de outro modo, podemos ter um futuro e pode ser antes da morte, porque podemos ter um futuro amanha se esperamos algo que poderia ser melhor que aquilo a que nos aferramos hoje. Mas, vejamos, temos falado do futuro e de predizer o futuro, mas não falamos do que isto prediz. Ao longo dos últimos quarenta anos temos estado em contato com pessoas que participaram nesse estudo. A primeira vez que levamos a cabo nem sequer esperávamos encontrar nada, simplesmente tinha curiosidade por saber se poderia existir alguma relação. Estudamos como essas crianças de quatro se converteram em adolescentes de 14 , 15 e 16 anos, e vimos que existia grandes diferenças. Em geral, relacionamos os resultados obtidos com as habilidades , um tipo de provas que os Estados Unidos se conhecem com o nome de “ Teste de Aptidões Acadêmicas” ou SAT em suas siglas inglesas, que em muitos institutos é muito importante para decidir tua admissão ou não no centro.

Eduard Punset:
Ou não.

Walter Mischel:
E existia diferenças cruciais em função do numero de segundos que a criança tinha esperado. A diferença media global entre as crianças que tinham esperado muito tempo...

Eduard Punset:
Que sabiam como reprimir-se...

Walter Mischel:
E aqueles que esperaram muito pouquinho, era de 210 pontos, o que representa uma enorme diferença , muito mais do que se poderia obter utilizando na primeira infância um test de inteligência com a finalidade de predizer algo.

Eduard Punset:
Incrível.

Walter Mischel:
Agora bem, não existe nenhuma prova de que esperar por duas bolachas dê lugar a estes resultados, estamos falando de uma correlação e não de uma casualidade. O que estamos dizendo é que este mecanismo é indicativo de existe muitas outras coisas que não são importantes na forma de viver. Existe poucas coisas que em uma criança pequena que nos digam como será sua vida depois. Assim que , o fato de que esta habilidade seja facilmente apreciável na infância, e de que tenha correlações a longo prazo, acontecimentos relacionados a longo prazo, faz que pense num reto muito interessante em quanto a sua evolução e funcionamento, e disso é do que se trata este trabalho.

Eduard Punset:
Em outras reflexões fruto do teu experimento, dizes: “Estabelecer um detonante externo para aquilo que queres fazer”; por exemplo , ir ao ginásio as cinco da tarde todas as quintas- feiras. Eliminando a capacidade de decisão consciente e estabelecendo um vinculo mental fazemos que seja mais fácil começar.

Walter Mischel:
Sim, creio que quanto mais automatizamos esse tipo de coisas ...

Eduard Punset:
A automatizamos.

Walter Mischel:
Mais facial será levar-las a cabo de forma automática e menos energia requerem.

Eduard Punset:
Si existe algo que ficou claro para mim depois desta nossa conversa, é que temos ser positivos na vida se queremos ser...

Walteer Mischel:
Bom, sim...

Eduard Punset:
Menos infelizes.

Walter Mischel:
Sim. Seria realmente uma tonteria pensar que o único que necessitamos na vida é a habilidade da gratificação diferida. Faz falta todo tipo de coisas. Este é um fator , um componente , uma habilidade que parece que marca uma grande diferença e então resulta emocionante começar a perguntar-se como podemos ensinar-lo. Sabemos que podemos influenciar nela em experimentos que não duram muito tempo, porém o que não sabemos em absoluto é se podemos ensinar o tipo de regras das que falas como ter planos, colocar em pratica , entender as regras... “ será mais fácil pra mim esperar uma bolacha se me distraio, me ajudará se dou a volta...” Qualquer dessas coisas ,como caixa de ferramentas , pode ajudar às crianças a ter uma maior força de vontade e a utilizar-la quando queiram. Creio que estas são as questões que merecem a pena estudar, assim como quais são os mecanismos , como funciona em nossa mente e cérebro.




Para Ampliar:
“The origins of willpower”, artígo no New Scientist.
“Self-control is the key to success”, editorial do San Francisco Chronicle.
“Marshmallow temptations, brain scans could yield vital lessons in self-control”, artígo en The Boston Globe.
“Free Won’t: The Marshmallow Test Revisited”, post de Daniel Goleman no seu blog.

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